Texto extraído do livro "Budismo: Psicologia do Autoconhecimento"
de Georges da Silva e Rita Homenko
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de Georges da Silva e Rita Homenko
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Certa vez, na floresta Simsapa do Kosambi (perto de Allahabad), pegando algumas folhas na mão, perguntou aos discípulos:
— Que pensais, bhikkhus? Quais as mais numerosas? Essas poucas folhas na minha mio, ou as que estão na floresta?
— Senhor, certamente as folhas da floresta são muito mais numerosas!
— Da mesma forma, bhikkhus, do
que sei não disse tudo e o que não divulguei é muito mais. E por que eu
não lhes disse? Porque isto não é útil e não conduz ao Nirvana. (Samyutta-Nikaya.)
O
Mestre comparava o número das coisas por ele ensinadas ao número das
folhas de uma só árvore, e o número das coisas que lhe foram reveladas
ao sem-número imenso das folhas de toda a floresta. Da mesma forma, Buda
não discutia questões metafísicas, pois são puramente especulativas e
só criam problemas imaginários. Ele as considerava "um deserto de
opiniões".
Malunkyaputra, um de seus discípulos,
não se conformando com essa atitude, fez ao Mestre as clássicas
perguntas sobre problemas metafísicos, entre as quais as seguintes:
—
Senhor, quando estava meditando, veio-me este pensamento: o universo é
eterno ou não é eterno? O universo é finito ou infinito? A alma é uma
coisa e o corpo outra coisa? Existe o após a morte ou não existe o após a
morte, ou ambas as coisas simultaneamente existem ou não após a morte? O
Sublime não me explicou esses problemas; se o Senhor sabe que o
universo é eterno, explique-me, mas se não sabe, seja franco em dizer:
"Não sei, ou não vejo." [A resposta dada é de grande utilidade para
muitos, que até hoje perdem um tempo precioso em questões metafísicas
dessa natureza, perturbando inutilmente a paz de suas mentes.]
—
Disse eu alguma vez: "Vem, Malunkyaputra, leva uma vida pura sob minha
direção, que eu te explicarei todas essas questões?" Ou você mesmo me
perguntou: "Se eu levar uma vida pura sob sua direção, terei as
respostas às minhas perguntas?"
— Não, Senhor!
—
Malunkyaputra, se alguém disser: "Não levarei uma vida santa sob a
direção do Sublime, até que ele me elucide essas questões", morrerá
certamente antes de receber a resposta desejada do Tathagata.
Prosseguindo,
Buda deu o seguinte exemplo: se um indivíduo, ferido por uma flecha
envenenada, fosse levado por seus amigos e parentes a um cirurgião e
dissesse: "Não deixarei extrair esta flecha antes de saber quem a
disparou, se um ksatrya [casta dos guerreiros], ou um brahmana [casta dos sacerdotes], um vaisya [casta de mercadores] ou sudra [casta
inferior dos camponeses], qual seu nome, qual o nome de sua família, se
é alto, baixo ou de estatura mediana, qual a cor de sua tez, de que
aldeia ou cidade veio. Não permitirei extrair esta flecha antes de saber
com que espécie de arco foi disparada, antes de saber que corda foi
empregada nesse arco, antes de saber que penas foram utilizadas na
flecha, antes de saber de que material foi feita a ponta da flecha",
como terminaria isto, monges? Esse homem morreria certamente sem saber
todas essas coisas. Assim também, Malunkyaputra, quem disser: "Não
levarei a vida pura sob a direção do Sublime até que ele me explique se o
universo é ou não eterno etc., etc — certamente morrerá sem que o
Mestre lhe tenha explicado essas questões.
Buda
explicou a Malunkyaputra que a vida espiritual não depende de opiniões
metafísicas. Qualquer que seja a opinião sobre esses problemas, existe
sempre o nascimento, a velhice, a decrepitude, a morte, a desgraça, as
lamentações, a dor, a angústia. — "Logo, declaro: a cessação de tudo
isto é o Nirvana ainda nesta vida."
— Por
conseguinte, Malunkyaputra, considere explicado o que expliquei, e o que
não expliquei, como não-explicado. Não esclareci se o universo é
eterno, ou não é, etc., etc., porque não é útil e não está
fundamentalmente relacionado com a vida espiritual, não conduzindo ao
desapego, à cessação, à tranqüilidade, à penetração profunda, à
realização, ao Nirvana. Estes são os motivos pelos quais não falei. Que
foi que expliquei? Expliquei a existência do sofrimento, o aparecimento
ou origem do sofrimento, a cessação do sofrimento e o caminho que conduz
à cessação do sofrimento. E por que expliquei isto? Porque é útil e
está fundamentalmente relacionado à vida espiritual que conduz ao
desapego, à cessação, à tranqüilidade, à penetração profunda, à
libertação, ao Nirvana. 1
Buda não
ensinava o objeto do Conhecimento, mas os meios para chegar a ele. Só a
Iluminação poderia responder as perguntas; os ensinamentos de Gautama
Buda, como vimos e veremos no decorrer deste estudo, são pura ciência,
moral, psicologia e filosofia de vida, e nada têm a ver com conceitos
religiosos. É uma doutrina que leva o indivíduo à Correta Compreensão
pela análise e meditação.
Notas:- Resumo do Cula Malunkya Sutta N63, Majjhima-Nikaya. Walpola Rahula,L´Enseignement du Bouddha, tradução da Pali Text Society-Rhys Davids.
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