Texto extraído do livro "Budismo: Psicologia do Autoconhecimento"
de Georges da Silva e Rita Homenko
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de Georges da Silva e Rita Homenko
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Uma
das características essenciais do Budismo é a rejeição de qualquer fé
prévia. Crer é aceitar o que não sabemos se realmente existe.
Nos textos budistas muitas vezes encontramos a palavra saddha, que
significa "confiança nascida da convicção". O Budismo é baseado na
visão das coisas pelo conhecimento e compreensão, e não pela fé ou
crença cega. A crença surge quando não há visão — visão em todo o
sentido da palavra. No momento em que vemos, a crença desaparece e a fé
cede lugar à confiança baseada no conhecimento.
Nos
antigos textos existe um dito: "Compreender como se vê uma jóia na
palma da mão". Se eu vos digo que tenho uma joia escondida na minha mão
fechada, a crença surge em vós porque não a vêdes. Porém, se abro a mão e
mostro a jóia, vós a vereis por vós mesmos e a crença se dissipará, não
tendo mais razão de ser.
Um discípulo de Buda,
chamado Musila, falando a um outro monge, disse: "Amigo Savittha, sem
devoção, fé, crença, sem tendência ou inclinação sem preconceito ou
tradição, sem considerar as razões aparentes, sem especulação das
opiniões, eu sei e vejo que a cessação do vir-a-ser é o Nirvana."
Ouvindo isto o Buda disse: "Õ bhikkhus, declaro que a destruição
das corrupções e impurezas é para aquele que sabe e vê, e não para
aquele que não sabe e não vê." Sempre é uma questão de conhecimento e
visão, e não de crença. Como vemos, o ensinamento budista sempre nos
convida para "vir e ver", e não vir para crer; convida a abrir os olhos e
ver livremente, e não fechá-los, dando ordem a crer. Isto foi mais
apreciado numa época em que a intolerância da ortodoxia bramânica
insistia sobre a crença e aceitação de sua religião como única verdade
incontestável.
Certa vez, um grupo de sábios
brâmanes foi visitar Gautama Buda, com o qual teve uma longa discussão.
Então um jovem brâmane, chamado Kapatikn, perguntou ao Mestre:
"Venerável Gautama, as antigas e santas escrituras dos brâmanes foram
transmitidas de geração em geração, mediante uma ininterrupta tradição
verbal, através da qual os brâmanes chegaram à conclusão absoluta de que
a única verdade seria a deles e qualquer outra seria falsa.
Ouvindo isto, Buda perguntou:
—
Entre os brâmanes haverá um só indivíduo que pretenda pessoalmente
saber e ter visto, por própria experiência, que esta é a única verdade e
qualquer outra coisa é falsa?
— Não, Senhor — respondeu o jovem com toda a franqueza.
—
Então, haverá um só instrutor, ou instrutor de instrutores dos
brâmanes, anterior à sétima geração, ou ao menos um dos autores
originais destas escrituras, que pretenda saber e ter visto, por própria
experiência que esta é a única verdade e qualquer outra é falsa?
— Não, Senhor!
—
Então, é como unia fila de homens cegos; cada um se apoiando no
precedente: o primeiro não vê, o do meio não vê e o último não vê
tampouco. Por conseguinte, parece-me que a condição dos brâmanes é
semelhante a esta fila de homens cegos.
Nesta
ocasião Buda deu a esse grupo de brâmanes um ensinamento de extrema
importância: "Um homem que sustenta a verdade deve dizer:
‘esta
é a minha crença’, mas por causa disto ele não deve tirar a conclusão
absoluta e dizer: ‘Só há esta verdade, qualquer outra é falsa’."
(Canki Lutes 95, Majjhima-Nikaya)
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