Padmasambhava...



Numa ilha no oceano de leite, crescia uma flor de lótus multicolorida, sobre a qual estava sentado um menininho de apenas oito anos, muito belo, ornamentado com todas as marcas maiores e menores, segurando um vajra e um lótus em suas mãos. Ao vê-lo, o rei Indrabodhi ficou maravilhado e perguntou:

Pequeno menino, quem é seu pai e quem é sua mãe? Qual é a sua casta e qual é o seu país? De que comida você vive e qual é o seu objetivo aqui?

Em resposta a estas perguntas, o menino respondeu:

Meu pai é a sabedoria do estado desperto espontâneo. Minha mãe é a senhora sempre excelente, o espaço de todas as coisas. Pertenço à casta do espaço e estado desperto indivisíveis. Tomei o espaço básico não-nascido como minha terra natal. Sustento-me consumindo os conceitos de dualidade. Meu objetivo é o ato de eliminar as emoções perturbadoras.

 Certamente, o mais influente dos mestres Nyingma foi Padmasambhava (tib. Pemajungne / Pad ma 'byung gnas), conhecido pelos tibetanos como Guru Rinpoche, que provavelmente viveu durante o século VIII. Ele recebeu a transmissão de ensinamentos de Jampel She Nyen (sânsc. Manjushrimitra, tib. 'Jam dpal bShes gNyen) e Garab Dorje (sânsc. Prahevajra?, Surativajra?, tib. dGa' rab rDo rje), e seu trabalho missionário difundiu esta linhagem no Tibet. A tradição diz que ele foi uma emanação do Buda Amitabha (tib. Öpagme / 'Od dpag med) cuja meta específica era a de facilitar a disseminação do budismo naquele período crucial.
 De acordo com a biografia escrita por sua discípula e consorte Yeshe Tsogyal (tib. Ye shes mTsho rgyal), muitos eventos do começo da vida de Padmasambhava têm vários paralelos aos da vida do Buda Shakyamuni. Como Shakyamuni, ele teve um nascimento milagroso em um pequeno reino no norte da Índia. As lendas populares afirmam que ele nasceu no país de Oddiyana (tib. Orgyen / O rgyan) alguns após depois do parinirvana de Shakyamuni. Sobre um grande lótus multicolorido que surgiu no meio de um lago, havia um vajra dourado, marcado com uma sílaba-semente Hrih que tinha sido emanada do coração de Amitabha. No momento de seu nascimento, ele já tinha o desenvolvimento físico de uma criança de oito anos e todas as marcas maiores e menores de uma "grande pessoa". Quando o lótus abriu, Padmasambhava estava de pé em seu centro, segurando um vajra e um lótus em suas mãos. Por causa da natureza de seu nascimento, ele seria chamado de Padmasambhava, que significa Nascido do Lótus. (Segundo uma outra versão, para aqueles que não tinham o karma para reconhecer este nascimento milagroso, Padmasambhava teria mostrado simultaneamente um nascimento comum, como o filho do rei Mahusita de Oddiyana; ele então teria recebido o o nome Danarakshita.)
 Indrabodhi (tib. Gyelporaadza / rGyal por rá dza), o rei de Oddiyana, não tinha filhos e então decidiu adotar Padmasambhava. Ele o encontrou quando estava retornando da ilha de jóias preciosas da filha do rei naga. Indrabodhi tinha ido até lá para solicitar a jóia que realiza desejos, pois tinha gasto toda a sua riqueza de seus cento e oito tesouros dando esmolas aos mendigos.
 Assim como Shakyamuni, Padmasambhava viveu em um palácio, aprendeu as artes e ciências apropriadas aos príncipes e se casou com uma bela mulher, Khadro Öchangma. Seu pai adotivo queria que ele seguisse seus passos e governasse o reino, mas Padmasambhava percebeu que aquela vida seria de pouco benefício aos outros, particularmente em comparação com o grande benefício que poderia realizar através da divulgação do Dharma.
 Ele pediu ao seu pai a permissão para deixar o palácio e seguir uma vida religiosa, mas o rei recusou. Para convencer Indrabodhi a deixá-lo ir, Padmasambhava fez uma dança, durante a qual ele se atrapalhou com um tridente khatvanga e acabou matando o filho de Kamalate, o mais influente dos ministros. Isto é referido como uma "liberação" ao invés de um assassinato, pois o filho do malévolo ministro morreria em breve por causa do grande karma negativo que acumulou em vidas passadas. Sabendo disso, Padmasambhava foi capaz de efetuar a liberação do menino através de seu poder yógico. Porém, isto não foi reconhecido pelo rei nem pelos ministros, e como Padmasambhava pretendia, foi exilado do reino e ordenado a viver em cemitérios. Após uma emocionante despedida, Padmasambhava partiu.
 Apesar de isto parecer uma punição dura e opressiva para um aparente acidente, isto satisfez os objetivos de Padmasambhava, pois os crematórios eram os pontos de meditação favoritos dos adeptos (sânsc. siddha, tib. drubthob / grub thob) tântricos. Durante o seu exílio, ele passou seu tempo nos crematórios de Shitavana, Nandanavana e Sosadvipa; em cada um destes lugares ele desenvolveu seu insight e poder tântricos, recebeu ensinamentos e iniciações de dakinis (tib. mkha' 'gro ma / khandroma) e sugjugou seres malignos, convertendo-os em protetores do Dharma. Assim, ele se tornou um um poderoso yogi.
 Ele então viajou à ilha de Dhanakosha e à floresta de Parashakavana, onde continuou a encontrar dakinis e a intensificar seu insight e seu poder. Depois ele foi a Vajrasana (o lugar da iluminação de Buddha) e então para o país de Zahor, onde encontrou o grande mestre Prabhahasti (Shakyabodhi), de quem recebeu ordenação monástica e o nome de bhagavan Leão de Shakya (sânsc. Shakyasimha, tib. Shakya Senge). Ele aprendeu o Vinaya com Ananda, discípulo do Buda Shakyamuni.
 Apesar de todos tópicos do conhecimento estarem espontaneamente presentes dentro de sua mente, Padmasambhava estudou idiomas, medicina, lógica, artesanato e outras ciências, a fim de inspirar confiança nos seguidores comuns. Ele também estudou toda a gama de literatura e ciência budistas, tornando-se mestre dos textos das tradições exotérica e esotérica e sendo amplamente reconhecido por sua proeza espiritual.
 Da monja Küngamo, uma dakini, ele recebeu a iniciação externa de Amitabha, a interna de Avalokiteshvara e a secreta de Hayagriva. Nesta ocasião, a monja deu a ele um nome de erudito, Loden Chogse. Padmasambhava também ensinamentos de Manjushrimitra, Humkara, Prabhahasti, Nagarjuna, Buddhaguhya, Mahavajra, Dhanasankrita, Rombuguhya Devachandra, Shantigarbha e Shri Simha. Assim, ele se tornou mestre dos ensinamentos das Oito Classes de Atingimento (tib. Drubdegye / sGrub sde brgyad), da Rede Mágica (tib. Gyunp'hül Drowa / sGyu 'phul drwa ba) e da Grande Perfeição (sânsc. Atiyoga, tib. Dzogchen / rDzogs chen). Particularmente em Sosadvipa, ele recebeu de Shrisimha os três ciclos da Grande Perfeição e o Khandro Nyingthig, atingindo o corpo de arco-íris. Padmasambhava era capaz de instantaneamente compreender e memorizar quaisquer ensinamentos e textos, mesmo após ouvi-los apenas uma vez. Ele poderia perceber quaisquer divindades sem nem mesmo propiciá-las.
Por muitos meses ele realizou ritos tântricos avançados na caverna Maratika junto com sua consorte, a princesa Mandarava (tib. Mandá ra bá), filha do rei Arshadhara de Zahor. Ele cultivou práticas de longevidade e recebeu a iniciação diretamente de Amitayus (tib. Ts'hepagme / Tshe dpag med), o Buda da longa vida. Através desta prática, ele atingiu o nível de um detentor de conhecimento e ganhou o completo controle sobre a duração de sua própria vida.
 Já que, através destas práticas, sua forma física era capaz de transcender o nascimento e a morte, ele se tornou efetivamente imortal e nada podia feri-lo sem que ele deixasse. Isto provou ser uma realização valiosa, pois quando ele viajou ao reino de Zahor, o rei e os ministros tentaram imolá-lo.
 Através de seu poder tântrico, ele foi capaz de transformar a pira em um lago de óleo de gergelim e permaneceu ileso em seu centro, sentado em um lótus. O rei e os ministros ficaram tão impressionados que pediram para ele ensinar o Dharma. Foi então que ele recebeu os nomes Padmasambhava e Padmakara (Pemajungne em tibetano), Nascido do Lótus.
 Depois, ele viajou a Oddiyana como um mendigo, mas seus habitantes o reconheceram como o príncipe banido, e o ministro cujo filho foi morto tentou queimá-lo com sua consorte Mandarava em uma pira de sândalo. Padmasambhava transformou a pira e apareceu com sua consorte às pessoas que estavam por perto, sobre um lótus no meio de um lago, completamente ileso pelo fogo. Esta exibição impressionou tanto o rei do Oddiyana que ele pediu que Padmasambhava se tornasse seu mestre.
 Padmasambhava estava usando um colar de crânios, simbolizando que era um mestre tântrico que libera os seres sencientes da existência cíclica; por isso foi chamado de mestre  Pema Thötreng Tsal,  Lótus Poderoso da Guirlanda de Crânios. E como ele tinha sido anteriormente o filho adotivo do rei, passou a ser chamado conhecido como o majestoso e poderoso Rei do Lótus (sânsc. Padmaraja, tib. Pema Gyalpo).
 Ele serviu como mestre em Oddiyana por 13 anos, durante os quais converteu todo o reino ao Dharma. Ele também disseminou o Dharma aos países vizinhos, e se diz que ele emanou o monge Indrasena, que converteu o rei Ashoka ao budsimo. Além disso, ele inspirou as pessoas a construir monumentos físicos ao Dharma, tais como stupas (tib. chöten / chos rten), que tanto divulgavam a fama dos ensinamentos quanto marcavam o seu avanço. As histórias tradicionais de sua vida contam inúmeros atos corajosos que ele realizou para banir a oposição e converter os inimigos ao Dharma. Em cada caso, mentes cheias de ódio e rancor foram transformadas em mentes elevadas pela fé no Buda e em seus ensinamentos.
 No cemitério de Jalandhara, Padmasambhava ajudou a derrotar em um debate 500 hereges que cercavam Vajrasana, devolvendo sua magia negra com a prática da dakini com Face de Leão (sânsc. Simhamukha, tib. Sengedongchenma). Os panditas então deram a ele o nome do grande ser irado, Rugido do Leão (sânsc. Simhanada, tib. Senge Dradrog). Na caverna Yangleshö (hoje Parp'hing, Nepal), ele atingiu a realização das práticas de Vajraheruka (também conhecido como Shriheruyka,  Yangdak) e Vajrakilaya, tendo como consorte a princesa nepalesa Shakyadevi, filha do rei Punyadhara.
 Padmasambhava começou a ampliar o escopo de sua atividade missionária, visitando a China, Shangshung e o Turquestão, e eventualmente decidiu que era o tempo propício para introduzir o Dharma no Tibet. No país de Shangshung, como Tavihricha (Ökyikhyeu), Padmasambhava ensinou os ensinamentos do Dzogchen Nyengyü da tradição Bön.
 As histórias tradicionais retratam sua viagem ao Tibet como uma vitória triunfante sobre as forças demoníacas que estavam determinadas a manter o budismo fora do país. Elas contam que Shantarakshita, o primeiro grande missionário no Tibet, encontrou uma oposição demoníaca que voltou as mentes dos ministros do rei contra ele. Os demônios do Tibet, que eram parciais à tradição pré-buddhista do Bön, jogaram relâmpagos do monte Marpori (o lugar onde atualmente está o palácio Potala) e destruíram a colheita. Shantarakshita aconselhou o rei a convidar Padmasambhava para vir subjugar os demônios do Tibet, e nesse ínterim ele foi para o Nepal. O rei seguiu as instruções de Shantarakshita e enviou uma delegação a Padmasambhava, mas o grande yogi tântrico já sabia da situação. Ele viajou à fronteira tibetana, mas seu avanço foi bloqueado por uma forte nevasca, enviada pelos demônios tibetanos para impedi-lo. A neve fez com as passagens ao Tibet ficassem inacessíveis, mas Padmasambhava superou os demônios, retirando-se em uma caverna e entrando em uma contemplação meditativa que lhe permitiu subjugá-los e colocá-los sob sua vontade. Depois disto, viajou a pé por toda a extensão do Tibet, meditando em cavernas por todo o país, desafiando os demônios que encontrava para um combate pessoal e os convertendo ao budismo. Nenhum foi capaz de se opor ao seu poder, e muitos se tornaram poderosos protetores da nova religião. Eles tomaram os votos solenes e eternos de nunca trabalhar contra o Dharma, de de fazer o máximo para garantir a sua propagação.
 O rei, seus ministros e as pessoas comuns ficaram impressionados com o fato de um único homem desafiar todos os demônios do seu país a um combate mortal, e que nenhum tinha poder para o impedir. O rei anunciou que deste ponto em diante o budismo seria a religião do Tibet e perguntou a Padmasambhava o que precisaria fazer para facilitar a disseminação do Dharma. Padmasambhava aconselhou-o a convidar Shantarakshita a retornar, o que ele fez, e depois disto o primeiro monastério budista tibetano foi construído, em Samye (tib. Sam yas). O rei percebeu que, para que o budismo fosse transplantado ao Tibet com sucesso, as escrituras teriam que ser traduzidas, e assim ele fundou equipes de tradução, que começaram o longo processo de verter os textos do budismo indiano à língua tibetana. Além disso, ele começou a enviar tibetanos para estudar na Índia e a convidar renomados mestres indianos a visitar o Tibet.
 Padmasambhava deu ensinamentos e transmissões do Vajrayana a centenas de discípulos, incluindo seus "vinte e cinco discípulos, o rei e os súditos". Com a consorte Yeshe Tsogyal, ele viajou milagrosamente por todo o Tibet, fazendo práticas, realizado milagres, dando ensinamentos e abençoando centenas de cavernas, montanhas, lagos, e templos como lugares sagrados. Ele escondeu milhares de tesouros (tib. terma / gter ma) em muitos lugares para beneficiar os seguidores futuros. Centenas de tibetanos que receberam ensinamentos dele tornaram-se seres realizados.
 Padmasambhava contou com o apoio de grandes consortes de sabedoria, todas elas emanações de dakinis. Mandarava de Zahor era uma emanação de Akasha Dhatvishvari e desempenhava a ação do corpo de Vajravarahi. Yeshe Tsogyal do Tibet era uma emanação de Buddhalochana e desempenhava as palavras da fala de Vajravarahi. Shakyadevi do Nepal era uma emanação de Mamaki e desempenha a pensamentos da mente de Vajravarahi. Kalasiddhi da Índia era uma emanação de Pandaravasini e desempenhava as qualidade de Vajravarahi. Tashi Khyidren de Mön era uma emanação de Samayatara e desempenhava as atividades de Vajravarahi. Khadro Wongchang desempenhava sua indivisibilidade inefável.
 As histórias tibetanas não concordam sobre quanto tempo Padmasambhava permaneceu no Tibet para assegurar a difusão do Dharma com sucesso. De acordo com alguns registros, ele permaneceu apenas 6 ou 18 meses, enquanto outros argumentam que ele permaneceu por 3, 6 ou 12 anos. Alguns afirmam que ele permaneceu por mais de 50 anos. De acordo com a Declaração de Ba (tib. Bashe / Ba bzhed), a discrepância pode ser explicada: Padmasambhava pareceu deixar o Tibet após algum tempo, mas na realidade o Padmasambhava que deixou o país era apenas uma emanação criada pelo mestre, que continuava em cavernas solitárias. Em uma análise final, isso provavelmente importa pouco do ponto de vista da tradição, já que ela atribui a Padmasambhava inúmeros feitos surpreendentes. Se estes foram realizados em um curto período de tempo, isto é um testemunho de seu grande poder, e se eles foram realizados em um longo período, isso indica a sua grande compaixão e habilidade em supervisionar a transmissão do Dharma.
 Ele eventualmente deixou o Tibet para continuar seu trabalho missionário nas regiões vizinhas, domando demônios e forças opostas ao budismo. Imediatamente depois de deixar o Tibet, ele viajou à montanha Küngtang (tib. Gung thang), onde subjugou Tötreng (tib. Thod phreng), rei dos ogres. Durante sua luta, Padmasambhava "liberou" Tötreng e, depois disso, entrou em seu corpo. Padmasambhava então criou um palácio, que se tornou a base de seu poder entre os ogres. Padmasambhava continua a viver neste mundo e a se engajar na atividade missionária, pelo benefício de todos os seres sencientes. Ele é o regente de Vajradhara, cuja presença assegura que a verdadeira essência do Dharma sempre permanecerá no mundo.

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