As duas fases da meditação do Vajrayana

Do livro "TCHERENZI – O senhor da grande compaixão" de Bokar Rinpoche
CRIAÇÃO E REALIZAÇÃO
As meditações do vajrayana se dividem em duas fases, chamadas de criação e de realização.
fase de criação: refere-se à primeira parte da meditação, quando se cria mentalmente a aparência de uma divindade.
fase de realização: refere-se ao final da meditação, quando todas as aparências dissolvem-se na vacuidade. Permanecemos, então, na natureza da mente, que é ao mesmo tempo uma ausência de pensamentos e uma experiência de felicidade.
Quando uma onda se forma na superfície do mar, ela pode aparecer como sendo algo diferente desse mar. Entretanto, quando ela baixa, retorna ao mar, que é a sua própria natureza. Da mesma maneira, as fases de criação e de realização não são, em essência, separadas. Como a onda e o mar, participam da mesma natureza. A fase de criação é semelhante à onda que se eleva e a fase de realização, à onda que retorna ao mar. Nos dois casos, é a mesma mente que medita. Não são duas realidades diferentes. Se não se compreende bem essa relação, poder-se-á talvez ter a idéia de que a fase de criação assemelha-se à construção de uma casa e a fase de realização à sua destruição.
Para os principiantes, as duas fases têm, certamente, um aspecto bem distinto: primeiro, realizamos a fase de criação, ao longo da qual visualizamos a divindade e recitamos o mantra, e, ao fim dessa fase, passamos à fase de realização em que toda aparência se reabsorve na vacuidade.
Entretanto, num estágio mais avançado, elas revelam-se indiferenciadas. A fase de criação parte da vacuidade da mente, a partir da qual se cria uma imagem. Pode-se, assim, evocar na mente a imagem da cidade de Paris, ver os edifícios que se conhece, as ruas que são familiares. Tudo isso aparece claramente. Ao mesmo tempo que essa manifestação se produz, ela permanece, entretanto, vazia, desprovida de toda realidade material, de entidade independente. Essa vacuidade é a fase de realização. As duas fases estão presentes simultaneamente. As aparências visualizadas são vazias, mas ocorrem.
É a união da manifestação e da vacuidade.
Quando visualizamos TCHENREZI, podemos ver claramente seu rosto, seus braços, suas jóias, as diferentes cores: é a fase de criação. Ao mesmo tempo, TCHENREZI é sem existência material: é a fase de realização. Da mesma maneira, os sons são simultaneamente sonoridade e vacuidade, os pensamentos são simultaneamente consciência e vacuidade.
Na realidade, cada pensamento que se eleva em nossa mente contém em si mesmo as fases de criação e de realização.
Tal é a natureza das duas fases. Veremos agora como "funciona" a meditação de TCHENREZI, como ela suporta nosso progresso espiritual em geral, as contribuições específicas das duas fases, e as características da fase de criação.
FUNÇÕES GERAIS DA MEDITAÇÃO DE TCHENREZI
A meditação de TCHENREZI não é um aspecto fragmentário do dharma; reúne todos os aspectos da via espiritual. É completa e permite desenvolver o conjunto de qualidades necessárias sobre o caminho, as seis perfeições (paramitas) do mahayana:
1 - A motivação que nos leva a fazer essa meditação é a de poder realizar o bem dos seres: é a paramita da generosidade.
2 - Quando se realiza a visualização e a recitação do mantra, abandonam-se as atividades ordinárias do corpo, da palavra e da mente. A conduta ordinária, as palavras ordinárias e os pensamentos ordinários são abandonados: é a paramita da ética.
3 - No decorrer da meditação, suporta-se o desconforto que às vezes o corpo e a mente experimentam: é a paramita da paciência.
4 - Despende-se um certo esforço, sujeita-se à perseverança: é a paramita da diligência.
5 - Quando o corpo da divindade, o campo puro, os ornamentos, as sílabas do mantra são reconhecidos como sendo a claridade da mente, uma manifestação da luminosidade da mente em si mesma: é a paramita do conhecimento transcendente.(Prajna)
Todavia, pode-se conceber a função da meditação de TCHENREZI de maneira mais detalhada. Isso é considerado sob duas perspectivas:
I - Compreender, de uma parte, como ela permite desenvolver aspectos tão variados como a eliminação dos pensamentos ilusórios, a acumulação de mérito, a compaixão, a devoção, a pacificação mental, a visão superior e o mahamudra;
II - Compreender, de outra parte, como ela permite que se opere uma purificação no nível mais profundo de nossos condicionamentos.
Examinemos cada um dos pontos "mencionados na primeira perspectiva".
1 - Eliminação dos pensamentos ilusórios: por um lado, a visualização das cores, das vestimentas e dos atributos de TCHENREZI permite eliminar os pensamentos ordinários ilusórios; por outro, visualializar-se sob a forma de TCHENREZI dissipa a assimilação ao eu ilusório;
2 - Acumulação de mérito: durante a meditação, imagina-se que se enviam raios de luz "para o alto", que vão apresentar oferendas aos Buddhas e aos bodhisattvas das dez direções, e raios de luz "para baixo" que se espalham sobre os "seres comuns" e aliviam seus sofrimentos; essas visualizações, entre outras, permitem-nos acumular mérito e purificar-nos de nossos véus:
3 - Compaixão: pensa-se nos sofrimentos dos seres, e, por diversas visualizações que veremos adiante, desenvolve-se a compaixão por eles; além disso, a forma mesma de TCHENREZI, bem como o seu mantra, impregnam nossa mente com a compaixão de todos os Buddhas, pois são a sua expressão;
4 - Devoção: as oferendas e as preces que se dirigem aos Buddhas e aos bodhisattvas permitem que cresça nossa confiança e nossa devoção;
5 - Pacificação mental (tibetano shine): o fato de que, durante a meditação, nossa mente permanece sem distração sobre o corpo da divindade em seu conjunto, ou sobre um detalhe, sobre uma sílaba visualizada ou ainda sobre o som do mantra, permite desenvolver a pacificação mental; além disso, a variedade de objetos sobre os quais a mente pode meditar sucessivamente impede que se relaxe e facilita a progressão na meditação;
6 - Visão superior (tibetano lhakthong): quando o corpo de TCHENREZI aparece claramente em nossa mente, ele permanece contudo desprovido de entidade própria e de realidade material, semelhante ao reflexo da lua sobre a água ou a uma imagem num espelho; ele é a irradiação luminosa do TCHENREZI último, que é também a natureza última de nossa mente; reconhecer essa natureza vazia da aparência é a visão superior;
7 - Mahamudra: a divindade é portanto aparência-vacuidade; mas não é aparência de uma parte e vacuidade de outra, ora aparência, ora vacuidade. Enquanto aparência, não perde sua vacuidade, e, enquanto vazio, não perde sua aparência. É a união da aparência e da vacuidade, não no sentido de duas coisas reunidas, mas no sentido de duas coisas formando uma única realidade indissociável. Permanecer sem distração nesse estado de união é a simultaneidade da pacificação mental e da visão superior. É ainda o que se chama de mahamudra, e, nesse caso específico, o "mahamudra do corpo da divindade". No início não se experimenta verdadeiramente esse estado, mas ter-se uma idéia do que ele é permite que nos aproximemos dele.
FUNÇÕES ESPECÍFICAS DAS DUAS FASES
Esses diferentes pontos seriam suficientes para que compreendamos a utilidade da meditação de TCHENREZI. Entretanto, é necessário acrescentar uma função purificadora gerada pela graça no nível mais profundo. Trata-se da energia espiritual, que está presente em cada elemento da meditação.
As aparências, tais como as percebemos, não têm, em realidade, existência em si. São a produção de nossa própria mente, produção deformada pelos condicionamentos derivados de nosso karma. Esses condicionamentos atuam no nível do "potencial de consciência" e levam a experimentar-se a manifestação como separada de nós, sólida, real em si, e causa de inumeráveis sofrimentos. Uma mente livre desses condicionamentos é uma mente pura, na qual se manifestam as aparências puras, desprovidas de materialidade, fora da dualidade sujeito-objeto, sem a marca das emoções conflituosas e do sofrimento.
A purificação deve portanto se operar no nível do potencial de consciência e é lá que atuam as meditações do vajrayana. As fases de criação e de realização visam, com efeito, suprimir o conjunto dos condicionamentos produtores da existência no samsara, que se desenrola na sucessão de três seqüências: o nascimento, a vida, a morte. Desde tempos imemoriais tivemos inumeráveis existências, cada qual seguindo o mesmo padrão: nascimento, vida, morte. Os condicionamentos inscritos por esta infinita repetição são extremamente fortes e tendem a recriar sem cessar o mesmo processo que nos mantém prisioneiros da ilusão.
Nesse contexto, a meditação das divindades, incluindo as duas fases, tem uma tríplice função:
1 - purificar-nos dos condicionamentos que causam o nascimento sob uma forma ordinária, resultante da maturação cármica;
2 - purificar-nos dos condicionamentos que produzem as aparências da vida ordinária, caracterizadas pelo apego a uma entidade própria e pelo sofrimento;
3 - purificar-nos dos condicionamentos que conduzem à morte ordinária e atualizar os corpos e as sabedorias do despertar.
Nesse quadro, cada aspecto da meditação opera uma purificação particular:
* Antes de começar a visualização, pensa-se que todos os fenômenos sob a sua forma ordinária impura reabsorvem-se na vacuidade. Simboliza a morte que precedeu esta vida. Isso nos purifica, de uma maneira geral, dos condicionamentos da morte produzidos em nossas existências passadas e prepara-nos para a atualização do corpo absoluto (dharmakaya), a natureza última da mente.
* Da vacuidade aparecem inicialmente um lótus, um disco de lua e a silaba-germe HRI. Isto corresponde, no momento da concepção no ventre, à reunião dos três elementos que a caracterizam: o lótus representa o óvulo; o disco lunar, o espermatozóide; a sílaba-germe, a consciência que, vinda do bardo, junta-se aos dois suportes materiais. Com todos os fenômenos anteriormente purificados pela sua reabsorção na vacuidade, são agora os seus aspectos puros que se manifestam. Isso nos purifica dos condicionamentos que causam a concepção.
* A seguir, a transformação da silaba-germe em divindade corresponde ao nascimento e permite que nos purifiquemos dos condicionamentos que o causam. Isso conduz também à maturidade as potencialidades do corpo de emanação (nirmanakaya).
* Depois, recitam-se as louvações endereçadas à divindade, imaginam-se luzes que partem do coração de TCHENREZI e apresentam oferendas aos Buddhas e aos bodhisattvas, visualizam-se os seus atributos, suas vestimentas, suas jóias, o palácio celeste onde mora e o campo de manifestação pura que o envolve. Tudo isso se aplica às características de nossa vida ordinária, do nascimento até a morte: nossa atividade, nossas relações com os outros, nosso vestuário, nossos hábitos de decoração, nosso habitat, nosso ambiente. As visualizações correspondentes permitem purificar os condicionamentos de nossa vida e preparam-nos para a atualização do corpo de glória (sambhogakaya).
* No fim da fase de criação, o campo puro reabsorve-se no palácio celeste, este na divindade, esta na letra-germe que, finalmente, dissolve-se na vacuidade. Essa dissolução simboliza a morte que virá. Tem os mesmos efeitos que o desaparecimento dos fenômenos que precedeu a visualização: purificação dos condicionamentos na morte, atualização futura do dharmakaya.
Dessa maneira opera-se uma total purificação, ao mesmo tempo que a emergência dos três corpos do despertar se torna possível. Na realidade, nossa mente é e sempre foi Buddha por natureza, mas os diferentes véus que a recobrem mantêm em estado latente essa natureza desperta, impedindo que ela se manifeste. Quando se manifestar, os campos puros e os corpos das divindades, que são a expressão verdadeira da natureza última da mente, também se revelarão.


CARACTERÍSTICAS DA FASE DE CRIAÇÃO
Voltemos agora à fase de criação. Para ser completa, deve apresentar três características:
• a clareza da aparência,
• a recordação do sentido puro, e
• o orgulho da divindade.
A clareza da aparência
Os condicionamentos cármicos são a fonte da produção do mundo tal como o percebemos, tanto o mundo exterior, quanto nosso próprio corpo. Essas produções são semelhantes às de um sonho, mas temos uma percepção muito sólida, muito real, de sua existência. A clareza da aparência, ou seja, a clareza da visualização tem por função livrar-nos desse modo de produção ilusória e eliminar nossa fixação da realidade. Embora tenhamos considerado essa fixação anteriormente como um elemento de purificação do potencial de consciência, vamos revê-la sob o ângulo da fase de criação.
O mundo apresenta-se sob uma extrema variedade de manifestações: o universo, o ambiente exterior, nosso habitat, nosso corpo, nossas vestimentas ou as jóias que usamos, as diferentes cores, etc. A visualização leva em conta essa variedade e lhe faz corresponder uma igual variedade de aparências divinas:
* o universo e o ambiente exterior são substituídos pela visualização do Campo da Beatitude, onde todas as aparências são belas, puras e produzem a alegria;
* o nosso habitat ordinário é substituído pela visualização do "palácio inestimável" da divindade;
* todos os seres e nós mesmos tomamos a forma de TCHENREZI;
* as vestimentas e as jóias tornam-se as jóias e as sedas usadas por TCHENREZI;
* as cores ordinárias são retomadas nas cores do conjunto e mais particularmente nas do corpo, nas dos ornamentos e nas das vestimentas da divindade.
As aparências divinas substituem assim as aparências ordinárias e neutralizam a fixação que fazemos de sua realidade.
Entretanto, os principiantes freqüentemente têm dificuldades de desenvolver essa clareza da aparência, em particular de desenvolver uma visão de conjunto da divindade. Pode-se, assim, em primeiro lugar, exercitar-se na visualização de aspectos parciais: apenas o rosto, em seguida cada uma das mãos, ou o rosário, o lótus, a jóia, etc. Esta maneira de proceder será fonte de maior facilidade.
Para os principiantes também, é difícil ver o TCHENREZI que visualizam e a própria mente como sendo um. Na verdade, a visualização só existe na nossa mente e não há, assim, um sujeito que observa e um objeto observado. Nossas tendências habituais levam-nos, contudo, mesmo nesse caso, a guardar a dualidade sujeito-objeto. É somente a partir de uma grande experiência da meditação e de uma certa compreensão do modo de ser da mente que a visualização da divindade deixa de ser impregnada das noções errôneas de sujeito e objeto. Temporariamente, o meditante principiante pode simplesmente considerar a visualização como um objeto que a mente observa e aplicar-se para torná-la clara e estável, o que permitirá que sua mente se acalme.
A lembrança do sentido puro
Mas a clareza da visualização não deve produzir a percepção de um objeto divino que existiria verdadeiramente, materialmente, ainda que num plano mais belo ou mais elevado que o nosso. A divindade é ao mesmo tempo aparência e ausência de realidade própria, como uma imagem num espelho, ou como o reflexo da lua na água. A divindade visualizada não é da mesma natureza de uma thangka ou de uma estátua: ela é desprovida de existência material e, ao mesmo tempo, dotada das qualidades do espírito desperto. Ela não é nem material nem inerte.
O apego a uma realidade material na divindade é neutralizado pela recordação do sentido puro, ou seja, pelo conhecimento de que cada um dos aspectos visualizados exprime as qualidades do despertar, num relacionamento simbólico. Cada detalhe de TCHENREZI tem assim seu significado:
* a cor branca do seu corpo: ele é totalmente puro, livre de todo véu;
* um único rosto: a essência de todos os fenômenos tem um único sabor;
* os quatro braços: os "quatro incomensuráveis" (amor incomensurável, compaixão incomensurável, alegria incomensurável, equanimidade incomensurável);
* as duas pernas cruzadas na postura do vajra: ele não permanece nos extremos do nirvana próprio e do samsara; une a compaixão com a vacuidade;
* a jóia que segura em suas mãos unidas na altura do coração: ele é aquele que realiza o bem de todos os seres, satisfaz a todas as suas necessidades;
* o rosário na mão direita: ele conduz todos os seres para a liberação;
* o lótus na mão esquerda: ele possui a compaixão por todos os seres; ademais, assim como um lótus cresce no lodo sem que sua flor seja maculada, TCHENIREZI atua no mundo sem ser maculado pelas emoções conflituosas e pelas imperfeições;
* o disco lunar por trás de suas costas: o amor e a compaixão atingiram nele toda a sua plenitude;
* a pele de um animal sobre seu ombro: a bondade legendária da corça simboliza o espírito do despertar, o pensamento voltado para o bem de todos os seres;
* as diferentes jóias: a riqueza das qualidades de seu espírito desperto;
* as sedas de cinco cores de sua vestimenta: as cinco sabedorias.
Na visualização, junto à clareza da aparência, a compreensão desse simbolismo permite desembaraçar-se da percepção material da divindade. Isso não significa que se deve recitar continuamente a lista de cada significado puro, mas sim que se tomou conhecimento e que foram assimilados.
O orgulho da divindade
Os seres estão ligados por uma assimilação muito forte à sua individualidade. A idéia de um "eu", referido a essa individualidade, está profundamente enraizada em nós, é uma espécie de orgulho no nível mais fundamental.
Na meditação, substitui-se esse orgulho ordinàrio pelo "orgulho da divindade", Engendra-se a convicção de que "Eu sou TCHENREZI".
O orgulho ordinário é a base sobre a qual desenvolvem-se as emoções conflituosas, os pensamentos ilusórios e, em conseqüência, os sofrimentos. O orgulho da divindade permite acabar com essas produções. Quando "Eu sou TCHENREZI", não mais sou fulano com os seus desejos, suas aversões, seus projetos, etc. As aparências impuras com as quais nos identificamos são substituídas por aparências puras que são o corpo de TCHENREZI, seu campo de manifestação puro, seu mantra, etc.
Pode-se pensar que substituir uma identificação — a da nossa individualidade ordinária — por uma outra — a da divindade — não é uma mudança significativa. Entretanto, a diferença é muito grande: no primeiro caso, há emoções conflituosas e sofrimentos; no segundo, isso não ocorre.
Cada um dos três aspectos da fase de criação tem assim uma função precisa:
1 - a clareza da aparência neutraliza a produção das aparências em modo ordinário, isto é, ilusório;
2 - a lembrança do sentido puro neutraliza o apego a uma existência material dissolvendo-o nas aparências puras que são a divindade e o seu campo de manifestação;
3 - o orgulho da divindade neutraliza a assimilação a um "eu" ordinário.
Esses três pontos são importantes, mas o desenvolvimento do terceiro é mais importante que o dos outros dois. Num nível profundo, o orgulho da divindade permite que o corpo de TCHENREZI seja percebido como uma expressão da claridade de nossa própria mente, como uma irradiação luminosa de sua natureza vazia. Sujeito e objeto, vacuidade e aparência tornam-se indissociáveis e permanece-se nessa contemplação. É claro que esse estado não poderá ser alcançado rapidamente. No inicio, é suficiente pensar simplesmente: "Eu sou TCHENREZI".
APRENDER A VISUALIZAR
Quando se começa a praticar a fase de criação, tem-se freqüentemente dificuldade de formar uma imagem completa da divindade. Nossos esforços acham-se divididos: quando visualizamos o rosto, os braços tornam-se indistintos; por sua vez, os braços ofuscam o rosto, e as pernas fazem desaparecer os braços. Todavia, é necessário manter o espírito calmo, não lutar consigo mesmo e, progressivamente, graças ao hábito, nossa capacidade de visualizar melhorara.
Deve-se evitar uma abordagem rígida e muito estruturada das coisas e considerar a visualização de TCHENREZI como a construção do muro de uma casa na qual cada tijolo é colocado solidamente sobre o outro, e as portas e janelas são materialmente bem encaixadas no seu lugar. Um bom método é o seguinte:
No inicio da meditação, desenvolve-se simplesmente o pensamento: "Eu sou TCHENREZI", e nele nos absorvemos. Depois, enquanto outros pensamentos nascem, levando-nos à assimilação com nossa personalidade ordinária, utilizamo-nos do suporte da visualização para retomar a idéia de que somos a divindade. Por exemplo:
"Eu sou TCHIENREZI, meu corpo é de cor branca", e coloca-se a atenção nessa brancura do corpo, o que permite estabilizar a mente por algum tempo. Quando outros pensamentos nos distraem da cor branca, lembramo-nos, então, por exemplo, do que seguramos nas mãos, e assim por diante. Quando a estabilidade da mente sobre uma parte da visualização não pode mais se manter, passa-se para outra: os braços, as pernas, o rosto, etc. Assim, nossa mente habitua-se a uma certa estabilidade, sem tensão. E a visualização torna-se algo fácil e agradável.
Se uma criança se senta em meio a um grande número de brinquedos, não procura brincar com todos os brinquedos ao mesmo tempo. Ela pega um, com o qual se distrai por um certo tempo; depois, quando se cansa, pega outro, que deixa para se ocupar de um terceiro, e assim por diante. Ela tem muitos brinquedos, mas não está inquieta por não poder brincar com todos ao mesmo tempo. Sabe que eles estão lá, e que um de cada vez lhe é suficiente, e que, quando se cansar, pode pegar outro. Na meditação de TCHENREZI é semelhante. Visualiza-se o rosto, ou uma mão, ou um ornamento, ou uma cor e, quando nossa mente se cansa, passa-se a outro detalhe. A mente sente-se então muito à vontade, com uma certa liberdade de movimento, livre de um peso, que superaria a sua capacidade. Este é um bom método para aprender a meditar.
De outro modo, corre-se o risco de abordar a visualização inquieta e tensa: "É preciso que eu consiga visualizar de qualquer maneira, sem nada esquecer: o corpo, a cor, os atributos; que os braços fiquem na posição correta; também as pernas; principalmente que eu não perca o rosto enquanto penso no lótus, ou no rosário..." A tarefa vai parecer esmagadora e estaremos desencorajados antes mesmo de começar.
Suponha que se coloque, à sua frente, um grande número de trabalhos a serem realizados simultaneamente. Você não saberia por onde começar. Iniciando uma coisa, ficaria preocupado por não poder fazer as outras. Pensaria então: "Eu nunca conseguirei, jamais terei tempo, isso não é possível!" Sentir-se-ia mal, com a sensação de ter um enorme peso nos ombros. Não se deve abordar a meditação com esse peso na mente.

Quando, durante a visualização, temos uma certa flexibilidade, uma certa aceitação daquilo que podemos fazer ou não, é nossa mente que assim pensa. Ao contrário, quando queremos uma visualização perfeita, não conseguimos e revoltamo-nos contra nós mesmos ou nos desencorajamos, é ainda a nossa mente que cria esses problemas. É a mente que considera as coisas de uma maneira ou de outra, cria sua própria facilidade ou sua própria dificuldade. É preciso ser hábil para orientar a mente corretamente, e saber meditar relaxadamente e à vontade, como a criança que toma o que lhe convém pelo tempo que lhe é conveniente. Isso para ela não é complicado, nem lhe traz inquietação. Com essa atitude, os pensamentos que nos agitam habitualmente podem verdadeiramente se acalmar. Se, ao contrário, fixamo-nos na idéia de que não se pode esquecer isto ou deixar desaparecer aquilo, estaremos apenas adicionando novas preocupações às nossas preocupações, novas tensões às nossas tensões, e essa não é a finalidade da meditação.

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