Perguntas sobre o karma

Pergunta: A teoria do carma é empírica e científica ou é aceita com base na fé?
Resposta: A idéia de carma faz sentido de diversas maneiras, mas há um certo mal entendido sobre o que o carma é. Algumas pessoas pensam que carma significa sina ou predestinação. Se alguem é atropelado por um carro ou perde muito dinheiro nos negócios, dizem: “Bem, que azar, esse é o carma dela”. Essa não é a idéia budista de carma. De fato, essa é mais a idéia da vontade de Deus – algo que nós nem entendemos nem temos qualquer controle sobre.
No budismo, o carma se refere aos impulsos. Baseados em nossas ações prévias, impulsos surgem em nós, nos fazendo agir de determinadas maneiras no presente. Carma se refere aos impulsos que aparecem na mente de alguém para investir em ações, ou no dia anterior delas falirem ou antes delas subirem de valor. Ou, alguém pode ter o impulso de atravessar a rua justo no instante que esse alguém será atropelado por um carro; nem cinco minutos antes nem cinco minutos depois. O surgimento do impulso naquele momento exato é o resultado de alguma ação ou ações que a pessoa fez. Em uma vida passada, por exemplo, alguém talvez tenha torturado ou matado alguém. Tal comportamento destrutivo resulta na experiência de uma vida também encurtada para a pessoa criminosa, geralmente numa vida próxima. Assim o impulso de atravessar a rua surgiu justamente no momento de ser atingido por um carro.
Uma pessoa pode ter o impulso de gritar ou de magoar outra pessoa. O impulso surge de hábitos construídos por comportamentos similares anteriores. Gritar ou magoar os outros cria um potencial, uma tendência e um hábito para esse tipo de comportamento, de maneira que no futuro, nós facilmente o faremos de novo. Gritar com raiva cria ainda mais um potencial, uma tendência e um hábito de novamente fazermos uma cena de raiva.
Fumar um cigarro é um outro exemplo. Fumar um cigarro age como um potencial de fumar outro. Também cria uma tendência e um hábito de fumar. Conseqüentemente, quando as circunstâncias são propícias – seja nessa vida, quando alguém nos oferece um cigarro, ou numa vida futura quando, enquanto crianças, nós vermos as pessoas fumando- o impulso de fumar vem à nossa mente e nós o fazemos. O carma explica de onde este impulso de fumar vem. Fumar cria não só o impulso mental de repetir a ação, mas também influencía os impulsos físicos dentro do corpo, por exemplo, ter um câncer por fumar. A idéia de carma faz muito sentido, pois explica de onde vêm os nossos impulsos.
Pergunta: Pode a receptividade e o entendimento de alguém pelo budismo ser predeterminado pelo carma?
Resposta: Existe uma grande diferença entre algo ser predeterminado e algo ser explicável. Nossa receptividade e entendimento do budismo podem ser explicados pelo carma. Isso é, como resultado de nosso estudo e prática em vidas passadas, nós agora somos mais receptivos aos ensinamentos. Se nós tivemos um bom entendimento dos ensinamentos no passado, então instintivamente nós iremos ter um bom entendimento de novo nesta vida. Ou, se nós tivemos muita confusão em nossas vidas passadas, esta confusão seria trazida para esta vida.
Entretanto, de acordo com o budismo, as coisas não são predeterminadas. Não há uma sina ou um destino. Quando o carma é explicado como impulsos, isso implica que impulsos são coisas das quais nós podemos escolher entre agir de acordo com elas ou não. Baseado em ações que nós fizemos nesta e em vidas passadas, nós podemos explicar ou prever o que poderia ocorrer no futuro. Nós sabemos que ações construtivas trazem resultados felizes e ações destrutivas trazem conseqüências indesejadas. Ainda assim, a maneira como uma ação carmica específica amadurece, vai depender de muitos fatores, e dessa forma, muitas coisas podem influenciá-la. Uma analogia seria: se nós jogamos uma bola para cima, nós podemos predizer que ela irá cair. Similarmente, com base em ações prévias, nós podemos predizer o que irá acontecer no futuro. Se, entretanto, nós pegarmos a bola, ela não irá cair. Da mesma forma, apesar de nós podermos predizer, a partir de ações passadas, o que virá no futuro, não é absoluto, fatídico, e encravado em pedra que apenas aquele resultado irá acontecer. Outras tendências, ações, circunstâncias e assim por diante podem influenciar o amadurecimento do carma.
Quando um impulso de fazer uma ação surge em nossas mentes, nós temos uma escolha. Nós não somos como criancinhas, que agem por qualquer impulso que surja em suas cabeças. Afinal de contas, nós aprendemos a usar o banheiro; nós não agimos imediatamente ao surgimento de qualquer impulso. O mesmo é verdade para o impulso de dizer algo que iria magoar alguém, ou de fazer algo cruel. Quando um impulso tal aparece em nossas mentes, nós podemos escolher: “Irei agir de acordo com ele ou irei refrear-me de agir com base nele?” Essa habilidade de refletir e discriminar entre ações contrutivas e destrutivas, é o que distingue os seres humanos dos animais. Essa é uma grande vantagem em ser humano.
Dessa forma, nós podemos escolher o que nós iremos fazer, baseado em termos espaço suficiente em nossas mentes para estarmos atentos ao [constante] surgir dos impulsos. Grande parte do treinamento budista está envolvido com o desenvolver da atenção. Na medida que nós desaceleramos, nós nos tornamos mais conscientes daquilo que estamos pensando e do que estamos na iminência de dizer ou fazer. A meditação na respiração, na qual nós observamos o entrar e sair da respiração, nos dá o espaço para sermos capazes de notar os impulsos quando eles surgem. Nós começamos a observar: “Eu tenho esse impulso de dizer algo que irá magoar alguém. Se eu o disser, vai me causar dificuldades. Logo, eu não vou dizer isso.” Nós podemos escolher. Se não estivermos atentos, nós temos enchurrada tal de pensamentos e impulsos, que nós não usamos a oportunidade para escolher sabiamente. Simplesmente agimos por impulso e isso geralmente trás problemas para as nossas vidas.
Assim, nós não podemos dizer que tudo – como o nosso entendimento ou nossa receptividade ao Dharma – é predeterminado. Nós podemos predizê-lo, mas nós também temos o espaço aberto para sermos capazes de mudar.
Pergunta: As pessoas de outras crenças religiosas também experimentam o carma?
Resposta: Sim. A pessoa não precisa acreditar em carma para poder experienciá-lo. Se nós dermos uma topada, nós não temos de crer em causa e efeito para experimentar a dor. Mesmo se nós achamos que veneno é uma bebida deliciosa, quando nós o bebemos, ficamos doentes. Da mesma forma, se nós agimos de determinada maneira, o resultado daquela ação virá, caso creiamos em causa e efeito ou não.

Singapura, 10 de Agosto de 1988
Trecho revisado de
Berzin, Alexander e Chodron, Thubten. Glimpse of Reality. 
Singapura: Amitabha Buddhist Centre, 1999.

Sem comentários:

Translate